Margaret
A cozinha estava com cheiro de cebolas e alho dourando no
óleo quente. Felizmente as empregadas não teriam mais problemas com o jantar e
o Sr. Jones ficaria satisfeito com o resultado. A cozinha estava repleta de
pessoas trabalhando e aparentemente tudo estava em ordem. Só faltava mais uma
coisa, benzer a entrada da casa.
– Estela? – Margaret chamou a cozinheira que cortava
algumas batatas.
– Sim? – Uma mulher morena envolta em alguns panos ao
redor da cabeça a atendeu.
– Eu não me demoro. Por favor, mantenha a cozinha em
ordem e siga estritamente as instruções que lhe dei para que esteja tudo
perfeito hoje à noite.
– É hora de benzer as entradas? – Estela franziu o cenho
com uma sutil expressão de escárnio.
Margaret crispou os lábios enrugados e apertou o terço
dentro do bolso do vestido com mais força. Ela sabia que Estela viera de uma
família que não acreditava na verdade divina, ou pelo menos não acreditava como
se devia acreditar.
– Sim – a governanta virou-se novamente para a
cozinheira. – Se considera uma mulher religiosa, Estela?
A cozinheira continuava a cortar batatas quando
respondeu.
– Eu acredito sim, em algo.
– E no que acredita? Margaret fuzilava-a com os olhos
azuis por baixo dos óculos meia lua.
– Talvez eu nunca tenha contado a minha história a
senhora, – Estela olhava profundamente os cortes perfeitos que fazia nas
batatas – eu vim de uma família bastante tradicional, madame. Embora humildes,
minha mãe costumava me levar em uma capela no interior da cidade. Até que um
dia resolveu que era perda de tempo.
Margaret comprimiu dolorosamente as mãos em seu terço.
Seus ossos velhos doíam com o esforço, mas ela não podia suportar tamanha
blasfêmia.
– Eu não a julgo – continuou Estela. – Nosso pai foi o
culpado do desvio de mamãe. Bebia tanto que chegava em casa como um porco velho
e só sabia gritar e bater em todas nós. Acho que, na verdade, mamãe cansou de
tudo isso. Viu que a religião não ajudaria a mudar quem o meu pai era. E eu e
minhas irmãs tínhamos que fingir que éramos uma família feliz enquanto toda a
noite minha mãe era espancada e estuprada pelo próprio marido. Felizmente nós,
um dia, conhecemos uma senhora em uma feira. O nome dela era Úrsula, e sem
ninguém contar, revelou tudo o que acontecia com a minha mãe e sobre o nosso
sofrimento. Ela nos apresentou as artes ocultas e conseguimos nos livrar do meu
pai.
– Bruxaria, você se refere? – perguntou Margaret.
Estela sorriu e colocou as batatas recém-descascadas em
uma tigela.
– Se é assim que vocês chamam... Sim, pode ser
considerado bruxaria. O fato é que é apenas um nome.
– Venha comigo, Estela – Margaret convidou a cozinheira. –
Talvez seja bom que me ajude a benzer os limites da propriedade. Quem sabe Deus
não tenha misericórdia de sua alma.
– Sra Margaret, eu creio que não seja uma boa ideia
deixar a cozinha agora. Estou bastante atarefada aqui. Ela mostrou as pilhas de
batatas para cortar. – O aniversário do primogênito do Sr. Jones vai nos custar
muito trabalho para o jantar de hoje à noite, mesmo o jovem o tendo comemorado
com todo vigor ontem. Sabe como são essas famílias ricas, não é mesmo? Dias e
mais dias de celebração.
Margaret crispou novamente os lábios ossudos e se retirou
da presença de Estela. Cruzou o hall de entrada da casa e se dirigiu aos
limites da mansão Jones. Uma mureta marcava até onde se estendia o raio da casa
e uma bacia deixada pelo padre Harris jazia em um canto, cheia de água benta.
Mesmo sendo bem velha, Margaret
ainda tinha uma disposição incrível para andar por todos os cantos da sombria
mansão Jones. Ela pegou uma caneca cheia de água da bacia e começou a passar
nas laterais da mureta. A lua cheia iluminava os seus cabelos brancos enquanto
ela implorava a Deus para que nada de mal pudesse entrar naquele lugar. E como
já não bastasse os demônios da noite serem um problema, ainda existiam pessoas
que se prestavam a adorar ao Diabo.
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